segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Jornalismo anglo-norte-americano em luta de vida ou morte contra o próprio modelo digital

30/11/2016, John Hellmer, Dances with Bears, Moscou















Para que os Impérios imperem, seus agentes têm de ter o monopólio da força, da fraude e da subversão, dentro do país imperial e também nos mais distantes domínios do Império. Subversão significa capacidade para persuadir o povo do que seria verdadeiro e bom, e do que seria falso e mau para o mesmo povo. Em resumo: não há império sem monopólio da propaganda.

Era assunto corriqueiro na Rússia no tempo de Boris Yeltsin e da família Clinton. Mas atualmente no front da Ucrânia e no front da Síria, a força russa domina completamente. Em todos demais fronts de guerra dos EUA os agentes Washington estão sendo derrotados; o que inclui de pequenas ilhas como Chipre, a grandes ilhas como as Filipinas.

Os britânicos votaram a favor do Brexit; os franceses, a favor de François Fillon e Marine LePen; e os norte-americanos, a favor de Donald Trump, porque a fraude que enriquece as respectivas elites governantes tornou-se gigantesca demais, óbvia demais para que os meios e técnicas 'midiáticas' de subverter a opinião pública continuassem a poder explicar tudo ou tudo esconder.

As sanções de EUA e Europa contra a Rússia foram colossal erro de cálculo, porque deram aos russos o parâmetro que antes não tinham para calcular a miséria em que foram jogados, não só pela desvalorização do rublo e a perda da renda do petróleo e gás, mas também pela brutal desigualdade infligida aos russos pelo sistema dos oligarcas que substituíram o sistema comunista. 

Ao cortar os oligarcas e bancos estatais separando-os do capital internacional que eles regularmente roubavam e convertiam em patrimônio fora do território russo, as sanções forçaram um Kremlin sempre relutante a correr na direção da autossuficiência; e isso neutralizou, pelo menos por hora, o mais poderoso lobby russo a favor a 'americanização' da Rússia e – o que vem a dar no mesmo – a favor da globalização. O que restou do lobby da fraude e da conversão em Moscou – Anatoly Chubais, Alexei Kudrin, Alexei Ulyukaev – vive hoje sob uma ou outra modalidade de prisão domiciliar.

Se o primeiro assalto contra a Rússia, por jornalistas ocidentais, há um quarto de século, foi sinal do colapso da resistência russa, dessa vez acontece o contrário – o ataque agora é sinal do colapso dos EUA e anglo-europeu, e do renascimento da Rússia. Muito tempo passará, antes de conseguirmos saber de que lado ficam os civilizados, de que lado os bárbaros. Incerteza como essa foi chamada, há tempos, de "Idade das Trevas".

O modelo de mídia digital desenvolvido pela Agência Central de Inteligência (CIA) e pelo Departamento de Estado dos EUA para mudar regimes no Egito, Tunísia, Líbia e Ucrânia já falhou absoluta e completamente – produziu contrarrevolução, guerra civil, anti-norte-americanismo, terrorismo, refugiados e caos. Os únicos casos de sucesso da CIA no serviço de subverter opinião pública, mídia-empresas, partidos, parlamentos – Lituânia, Letônia, Estônia, Montenegro, Macedônia, Kosovo, Canadá, Austrália – também são completos fracassos: são estados fantoches, fracos demais como aliados em armas, pobres demais como aliados em capitais, absolutamente irrelevantes fora das próprias fronteiras.

Em áreas mais sérias, o modelo digital de negócio para veículos como GuardianFinancial TimesWashington Post e New York Times é insistente fracasso e não sustenta números de audiência ou a solvência, o que obriga essas empresas a se converterem em aplicativos para empresas de telefonia, varejistas de internet ou orçamentos governamentais.

O colapso do modelo digital seja na política seja no comércio ainda não convenceu os pregadores apóstolos do modelo digital de que o produto deles absolutamente não presta. Em vez de concluírem pelo óbvio, que todos vemos, inventaram que o modelo deles teria sido superado ou completamente derrotado por uma versão russa do mesmo modelo. Na avaliação dos caixeiros viajantes norte-americanos do modelo digital, os norte-americanos revelaram-se mais otários e fáceis de enganar que os egípcios (e mais otários que isso, só australianos e estonianos).

Soa como perfeitamente claro e racional para os caixeiros viajantes norte-americanos promotores do modelo digital, que há alto ganho político e muito lucro comercial a ser capturado do orçamento do Estado e do mercado da Internet, desde que consigam fazer os norte-americanos morderem a isca "inimigo russo", para, com isso, assustar suficientemente os próprios cidadãos a ponto de eles passarem a crer no que quer que lhe digam. Assim se faz a subversão da opinião pública, em outra palavra, "propaganda". 

Pois foi precisamente o que o Washington Post tentou fazer numa edição especial do Dia de Ação de Graças intitulada "Esforço de propaganda russa ajudou a disseminação em grande escala de 'falsas notícias' durante a eleição, diz especialista". O jornalista chama-se Craig Timberg [sobre ele, em Counterpunch (NTs)].

Quando os especialistas começaram a desqualificar a matéria de Timberg por absoluta falta de provas ou testemunhas, o jornal agarrou-se às próprias pistolas (sem balas). "Lastimo" – o repórter escreveu por e-mail –, "mas não posso comentar matérias que escrevi para o Post."

Até que o Washington Post pôs-se a repetir que um website novinho em folha, de nome PropOrNot.com, seria especialista renomado na análise da guerra das civilizações – quer dizer, EUA x Rússia –, com audiência mínima demais para ser registrada nas máquinas padrão de monitoramento da Internet.


Segundo o Post, essa não entidade seria "coletivo não partidário de pesquisadores de política exterior e contextos político, militar e tecnológicos (...) mostrando o impressionante alcance e terrível eficácia das campanhas de propaganda russa." Registrado pela primeira vez dia 21/8/2016, com endereço de provedor internet numa sede em Scottsdale, Arizona, de GoDaddy, que vendeu o domínio; e em Mountain View, Califórnia, onde está a sede da empresa Google. Google hospeda o servidor do coletivo PropOrNot!


PropOrNot apareceu dia 9/11, com o que chamava de "An Initial Set of Sites That Reliably Echo Russian Propaganda" [Conjunto inicial de Sites que repercutem confiavelmente propaganda russa]. A lista inicial continha exatamente 200 nomes e links. Seriam 199, se IHaveThe Truth.com não aparecesse duas vezes na lista. O que começou na homepage como lista de "parceiros" apoiadores foi rapidamente renomeado como "projetos relacionados", porque vários dos citados na lista negaram qualquer conhecimento de qualquer coisa que atendesse pelo nome de PropOrNot.

O fundamento para a lista dos top-200 foi apresentado não como prova, mas como método: "uma combinação de análise manual e automatizada, incluindo análise de conteúdo, oportunidade, indicadores técnicos e noticiário diferente." Por mais que o método revelasse coincidência entre declaração russa sobre algum tema e crença norte-americana sobre o mesmo fato, a descoberta era sempre unidirecional: sempre se tratava de propaganda russa para "distorcer discussões norte-americanas políticas e sobre políticas". 

Para Counterpunch, um dos sites relacionados na lista dos 200 noticiários de 'notícias falsas', a 'prova' exibida contra o site tinha "a substancialidade de obscenidades desenhadas em parede de banheiro público".

Mas até aí não se está considerando o ponto propriamente digital que o Washington Post só faz amplificar. Para PropOrNot, toda a ciência da pesquisa 'digital' universal resume-se numa linha: se se pode demarcar uma correspondência entre a declaração na Internet por fonte russa e a declaração correspondente num veículo norte-americano, a conclusão é automática: trata-se de propaganda russa que entrou nos EUA.

PropOrNot até traçou um diagrama para expor graficamente, bem visível, o método dessas 'correspondências' [gráfico: "Ego network diagram no qual se veem as superposições de distância dos links, distância métrica e densidade, entre sites que partilhem os mesmos identificadores técnicos (nesse caso, uma Google Analytics ID)" (aqui, pág. 8)]

A CIA testou mapas e 'correspondências' desse tipo no Egito e na Ucrânia. Claro que o inventor das 'correspondências' reconhece a correspondência que ele mesmo inventou. Mas a 'correspondência' também tem seu lado invisível, subliminal, de tal modo que nem intenção, nem verdade nem coincidência servem de prova contra ela (dado que nada significa, a correspondência não pode ser declarada errada, ou falsa). 

"Não faz qualquer diferença" – dizem PropOrNot e o Washington Post –, "se os websites listados aqui estão sendo voluntária e conscientemente dirigidos e pagos por agentes da inteligência russa, ou se sequer sabem que estão repetindo propaganda russa num ou noutro momento determinado: se satisfazem esses critérios [a correspondência], estão no mínimo agindo como 'idiotas úteis', idiotas de boa-fé a serviço dos serviços russos de inteligência; e devem ser investigados mais a fundo."

Encontrar uma correspondência – as linhas que ligam entre eles os pontos pretos pequenos – já é prova de "esforço russo predominante (...) pelo menos semicentralizado" – nos grandes pontos cor-de-rosa –, "com múltiplos projetos e operações russas para influenciar, operando em paralelo para gerir a produção direta e deslocalizada de propaganda, por toda uma ampla gama de veículos." Se significa alguma coisa, parece ser que quanto maior o número de 'declarações' russas que os norte-americanos aceitem como verdadeiras, mais alto o valor das recompensas que o Kremlin paga ao veículo.

Os websites listados como veículos (alto número de correspondências) de propaganda russa responderam detalhadamente. A melhor resposta parece ter sido a de Yves Smith:

"O denominador comum de todos esses websites parece ser o ceticismo em relação à fracassada coroação de Clinton. É intimidação da mais crassa. Que ninguém se engane: não é ataque contra 'a mídia'; é ataque total que o establishment [do Partido] Democrata lança contra qualquer coisa de que eles não gostem."


Contra "notícias falsas", ergue-se o "Jornalismo real" [ing. actual journalism], como PropOrNot o chama. Esse jornalismo real começou com um homem de nome Joel Harding. Ainda não se sabe exatamente qual a ligação entre ele e o websitePropOrNot; se Harding o dirige, o que faz lá. 

Não há qualquer dúvida de que há uma convicção firmada entre o Washington Post, o website PropOrNot e Harding, mas não se sabe ainda se há crime ou má intenção, nessa convicção. A convicção é:


"Conclamamos o povo norte-americano a pôr-se em alerta máximo, porque não há dúvida de que a Rússia está tentando suplantar o jornalismo real (no qual há editores e repórteres para verificar e confirmar cada alegação, em total transparência, e não deixar passar erros), com propaganda formatada como notícias falsas online, que a Rússia influencia ou controla. Façam circular o alerta: a Rússia está tentando manipular o povo dos EUA, mediante propaganda online."



Harding vive com a esposa Denise numa casa modesta na área de recrutamento do Washington Post de Lorton, Virginia, não distante do Lorton Workhouse and Reformatory. Hoje é local histórico tombado. Houve ali uma prisão já centenária, para prisioneiros de Washington, DC; e também um bunker para uma bateria de mísseis Nike que ali foram instalados para interceptar mísseis soviéticos em ataque contra os EUA, e garantir comunicação de emergência para o governo no caso de os mísseis Nike dos EUA errarem o alvo e os mísseis soviético atingirem seus alvos em Washington [texto sobre projeto Nike].


Harding se autodescreve como homem-míssil Nike e centro de comunicações de um só homem, em guerra contra as operações de guerra que o Kremlin já teria lançado. É, diz ele, "conselheiro e consultor para operações de informação, comunicação estratégica e ciberguerra. Joel trabalhou durante os últimos 35 anos em questões de segurança nacional; começou a carreira como soldado alistado no Destacamento Operacional Alpha de Forças Especiais; depois disso, fez carreira como oficial da inteligência militar e, desde meados dos anos 1990s trabalha e dá apoio a operações de informação em todos os níveis. Trabalhou no Departamento de Defesa, em empresas, e como especialista no assunto numa associação profissional de comércio sem finalidades de lucro, a AOC. Na AOC, foi diretor do IO Institute, editor do IO Journal, organizador de InfowarCon, e deu palestras no Canadá, Rússia e China sobre guerra de informação e ciberguerra". Aqui se lê a autobiografia de Harding (foto). Nada dessas informações pode ser confirmado. 


A única coisa absolutamente certa, confirmada acima de qualquer dúvida é q Harding enfrenta hoje um problema tamanho Nike, lançado de Los Angeles, não de Moscou. É o que logo se depreende dos papéis de um processo iniciado na corte de justiça distrital que tem jurisdição sobre o bairro em que ele mora. A importância do caso advém de o autoproclamado especialista em guerra de informação e cibersoldado da verdade do jornalismo-empresa nos EUA estar sendo alvo fácil para uma gangue californiana de extorsão por internet! Harding registrou no processo naquela corte distrital que entende ser dever dele salvar todas as meninas russas menores de idade, de serem empurradas para shows pornográficos por norte-americanos sem escrúpulos.

O caso de pornografia de Harding e o caso do website de propaganda PropOrNot são, na verdade, dois lados da mesma moeda. 

Demonstram que no que tenha a ver com defender-se contra alegações falsas e injustas, Harding usa o padrão oposto ao que prega que a mídia norte-americana deveria estar seguindo. Diante do juiz, Harding declarou que fora vítima de um mapa digital. Disse ao juiz que a verdade era sua melhor defesa.

Os papéis do processo que tramita na Corte Distrital em Alexandria, Virginia, acusam Harding de baixar pornografia sem pagar e de redistribuir o material, violando direitos autorais. O caso começou dia 5 de abril desse ano, quando Harding ainda era um João Ninguém, com número de provedor de internet [ing. internet provider (IP)] para o computador que usou. Harding foi identificado, nome e endereço, na queixa crime registrada dia 19/7/2016 (pode-se ler o arquivo, aqui). (...)[1]


O motivo pelo qual Washington Post Financial Times adotaram os chamados modelos de "mídia digital" para repórteres, leitores e plano de negócios é que há muito tempo estão deixando de significar aumento nos lucros das empresas proprietárias, acionistas e investidores.

O modelo de mídia digital promete gerar crescimento, emoções, novidade; mas até aqui ainda não mostrou capacidade para gerar lucratividade sustentável. A publicação digital tem compensado a perda de público consumidor de edições impressas e a lucratividade, com os anunciantes sumindo muito rapidamente. Mas a taxa de crescimento está desacelerando, o que indica que há limites para a expansão da audiência para as versões em website dos chamados "jornais sérios", que há quem ainda chame de "mídia dominante" [ing. mainstream media (MSM)].


O maior crescimento no mercado digital das grandes empresas do jornalismo em língua inglesa vem sendo observado na internet e no segmento de noticiosos entregues por telefone. Por isso há empresas de telefonia e vendedores de internet estão comprando veículos de notícias.

O cálculo comercial é que, se produzir notícias já é indústria que dá prejuízo, cobrar pela transmissão de notícias por internet e telefone, somada à venda de espaço publicitário para outros produtos de internet, sim, dá lucro. E esse é o modelo digital para a mídia: exige alta frequência de transmissão de dados, o que significa alta frequência de distribuição de matérias curtíssimas que possam ser lidas numa tela de telefone celular. 

Por essa razão Jeff Bezos, da Amazon.com, pagou $250 milhões para comprar o Washington Post em 2013.

Com as chamadas de telefone transmitidas por Skyped ou FreedomPopped e gratuitas, o comércio da notícia está todo na transmissão de dados. Nesse negócio, o comércio de pornografia de Harding é perfeitamente igual ao comércio de noticiário do Washington Post e de PropOrNot: nos dois casos o 'produto' pode ser produzido quase ininterruptamente e baixado frequentemente. Com isso, a mudança torna-se cada vez mais rápida na transmissão de dados, de computadores para smartphones e tablets. E essa mudança dispara uma redução nas fontes de dados consumidos.

O argumento central a favor desse modelo de negócio é simultaneamente o argumento central CONTRA a reportagem de investigação. E a esse modelo de negócio PropOrNot chama "Jornalismo real" [ing. actual journalism].

Eis como Business Insider, um agregador de Wall Street comprado ano passado pelo grupo alemão Axel Springer, vê a demanda do mercado de mídia:


"peças longas investigativas são raras em plataformas all-digital. São caras para produzir e, apresentadas a leitores que têm em média quatro minutos para elas, dificilmente atrairão grandes números de consumo. Com jornais impressos já economicamente sitiados e investindo cada vez menos em reportagem em grandes formatos, dificilmente as publicações digitais investirão mais."


Com os públicos digitais crescendo e suplantando os leitores de jornais tradicionais, e com o crescimento sempre instável dessa parte da audiência, o marketing da notícia e produtos para diversificar a informação tornaram-se necessidade comercial imperiosa. Por isso grandes mídia-empresas como Washington Post têm de empregar cada vez mais marketeiros e vendedores, e cada vez menos jornalistas. Na atual fase, produtos "inovadores" têm de satisfazer os critérios, não de algum jornalismo, mas do marketing: acesso rápido quick-click, e formato de aplicativo para telefone.

Isso, precisamente, é o que PropOrNot diz que estaria mapeando nos pontos cor-de-rosa grandes, na Rússia. Isso, precisamente, é o que Harding crê que um cibersoldado norte-americano patriota deve combater. Mas nem por isso Harding confiou nessa 'ciência' para fazer sua defesa em novembro, acusado de crime numa Corte Distrital dos EUA. Nenhuma tecnologia ajudou Harding a proteger-se contra um ataque digital criminoso do qual teria sido vítima, como ele disse ao juiz. Em agosto, Harding declarou que a verdade era sua defesa. Em novembro, a única prova que PropOrNot tinha a exibir era um mapa suposto científico e, contra tal mapa impenetrável, a verdade ajuda muito pouco. A única saída para as vítimas de Harding e/ou de PropOrNot é... er... processá-lo e... er... levá-lo a uma corte distrital nos EUA. *****




[1] Seguem-se muitos detalhes do processo por distribuição de material pornográfico a que Harding responde, aqui omitidos, por irrelevantes. O objetivo do artigo é mostrar que esse suposto especialista apresentado como 'avalista' técnico-tecnológico das acusações contra jornalistas e veículos que distribuiriam "notícias falsas" (a) é, ele mesmo, acusado de crimes; e (b) alegou em sua defesa que só teria um reles endereço de e-mail, sem acesso a provedor e miseravelmente "sem recursos tecnológicos". É o que importa considerar (NTs).]

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